
A importância do músculo-esquelético é reconhecida por quase todos, sejam leigos, entusiastas, profissionais do exercício ou cientistas. O entendimento que cada um terá das suas propriedades será, certamente, diferente. A visão tradicional foca-se no atributo visível, isto é, na importância das suas propriedades mecânicas, e como estas são responsáveis pela expressão de força. Sem dúvida, a riqueza do movimento humano, com a mobilização e estabilização de segmentos e eixos, apenas é possível devido a esta força motriz. No entanto, sabemos que ele desempenha funções muito além da contração muscular.
O músculo-esquelético é um elemento crucial na interação com o sistema nervoso central, metabolismo e regulação hormonal. Este curto artigo de opinião visa explorar alguns destes atributos e funções, bem como o impacto que o músculo-esquelético pode ter na otimização de vários sistemas fisiológicos e saúde em geral.
O Músculo Como Extensão Sensorial do Sistema Nervoso Central

As funções do músculo-esquelético vão além das mera execuções de ordens motoras, ele é também um complexo sistema sensorial. Na sua estrutura tem fusos musculares e os órgãos tendinosos de Golgi, estruturas estas que atuam como sensores e respondem a estímulos mecânicos, transmitindo informações acerca da posição e a tensão muscular ao sistema nervoso central. É nesta relação que ocorre uma modulação e regulação refinada do tônus muscular, prevenindo lesões e garantindo a precisão dos movimentos. Com esta informação já podemos especular que movimentos demasiado amplos ou tensões que excedam a limiar de tolerância deste sistema podem comprometer a estrutura, debilitar a função e aumentar o risco de lesão, a curto, médio e longo prazo.
Além disto, existe evidência robusta acerca da influência que o músculo tem na plasticidade neural, contribuindo tanto para o aprendizagem motora como cognitiva, e ainda na neuroproteção contra doenças degenerativas, como Alzheimer e Parkinson. A prática regular de atividade física e exercício físico tem sido associada a uma melhora na função cognitiva e na neuroplasticidade por meio da liberação de fatores neurotróficos, como o BDNF (Brain-Derived Neurotrophic Factor)(1,2)). Refira-se ainda que os benefícios aumentam em proporção à duração, pelo menos na segregação do BDNF. Será que estamos a disponibilizar tempo para sermos mais ativos?
O Músculo Como Regulador Metabólico e Endócrino

Ainda falando além dos aspectos mecânicos do músculo… Os músculos-esqueléticos desempenham um papel vital na homeostasia metabólica. Eles são responsáveis por aproximadamente 80% da captação de glicose induzida pela insulina (3), sendo essenciais na prevenção e tratamento de doenças metabólicas como a diabetes tipo 2. É interessante notar que a contração muscular, independentemente da presença de insulina, é capaz de ativar mecanismos de transporte da glicose para o interior da célula, tornando o exercício físico uma potente ferramenta terapêutica, seja na patologia, prevenção ou simplesmente otimização metabólica.
Além disso, o músculo libera substâncias metabolicamente ativas que são capazes de influenciar diversos tecidos e órgãos (4). Estas moléculas sinalizadoras denominam-se por miocinas, e têm sido alvo de estudo pela sua relevância na regeneração tecidual, regulação imunológica e homeostase energética. Mais recentemente receberam uma outra denominação, a de exercinas, por estarem diretamente e, especificamente, relacionadas com o exercício físico (5).
Impacto sistêmico do músculo-esquelético

1. Influência na saúde cardiovascular. A contração muscular promove a vasodilatação e melhora a função endotelial, reduzindo a rigidez arterial e contribuindo para a regulação da pressão arterial. O treino com resistências e em ergômetros (e.g., bicicleta, passadeira) segrega substâncias vasodilatadoras, tendo um efeito protetor e contribuindo para a redução de risco cardiovascular.
2. Papel na homeostasia óssea. Para que o músculo contraia, ele necessita de pontos de fixação - estes pontos estão nos ossos. Por isso, a contração muscular é capaz de impor stress mecânico ao osso, o que por sua vez estimula a remodelação óssea. Refira-se também que neste processo ocorre a libertação da osteocalcina, uma proteína associada ao metabolismo ósseo, e que parece estar envolvida na regulação do metabolismo energético.
3. Modulação do sistema imunológico. O exercício moderado tem ainda um efeito anti-inflamatório, reduzindo os níveis de citocinas pró-inflamatórias e aumentando a eficiência do sistema imunitário. Note-se que o músculo atua diretamente na regulação da imunidade, contribuindo para isso com as substâncias que se produzem em resultado do seu metabolismo - metabolitos musculares.
Conclusão
Creio que ficou claro que o músculo-esquelético é muito mais do que um simples elemento contrátil responsável pelo movimento. A sua interação com o sistema nervoso central, a função endócrina e a influência que exerce sobre diversos sistemas fisiológicos expressam a sua importância na manutenção de saúde e longevidade. O reconhecimento destas interações reforça a importância de uma prática regular de exercício físico, e da sua prática consciente. Apenas desta forma se pode individualizar e otimizar a função muscular com vista à promoção de saúde, bem-estar e qualidade de vida que todos merecem.
Eduardo André
Fisiologista do Exercício
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Stillman, C. M., Cohen, J., Lehman, M. E., & Erickson, K. I. (2020). Mediators of physical activity on neurocognitive function: A review at multiple levels of analysis. Frontiers in Human Neuroscience, 14, 62. https://doi.org/10.3389/fnhum.2020.00062
Dinoff, A., Herrmann, N., Swardfager, W., & Lanctôt, K. L. (2021). The effect of acute exercise on blood concentrations of brain-derived neurotrophic factor in healthy adults: A meta-analysis. European Journal of Neuroscience, 53(3), 637-651. https://doi.org/10.1111/ejn.15088
Hayashi, T., Wojtaszewski, J. F., & Goodyear, L. J. (2000). Exercise regulation of glucose transport in skeletal muscle. American Journal of Physiology-Endocrinology and Metabolism, 278(6), E1020-E1035. https://doi.org/10.1152/ajpendo.2000.278.6.E1020
Pedersen, B. K., & Febbraio, M. A. (2012). Muscles, exercise and obesity: Skeletal muscle as a secretory organ. Nature Reviews Endocrinology, 8(8), 457-465. Esta revisão destaca o papel do músculo esquelético como um órgão secretor, enfatizando a liberação de miocinas durante a contração muscular e seus efeitos na homeostase energética e na regulação imunológica.
Chow, L. S., Gerszten, R. E., Taylor, J. M., et al. (2022). Exerkines in health, resilience and disease. Nature Reviews Endocrinology, 18, 273–289. https://doi.org/10.1038/s41574-022-00641-2
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