top of page

Obesidade: a entidade (in)visível

Por Eduardo André

Fisiologista do Exercício e Diretor-Técnico Hi Well


Além do peso: compreender a obesidade


Durante décadas, a obesidade esteve à vista de todos, ainda assim não foi compreendida em pleno. Abordar a obesidade seriamente é ir além do peso corporal, ultrapassar o estigma, chegar às pessoas, ao seu contexto de vida e a um ambiente que, por diversas razões, favoreceu esta disfunção sistémica e com alterações metabólicas profundas - a entidade invisível da obesidade. É nesta dualidade, a visível e a que permanece oculta, que se continua a negligenciar a condição, normalizando-a, impactando o indivíduo e a sociedade, privando-os de saúde e longevidade consciente.


O principal critério para diagnosticar excesso de peso foi, durante muitos anos, o índice de massa corporal (IMC). Contudo, este parâmetro, incompleto e enviesado, apenas considera o peso e não outras variáveis da composição corporal, como por exemplo o tecido muscular. Além disso, sabemos hoje que, no contexto da obesidade, o peso não é sinónimo de saúde, mas sim o impacto que este tem no funcionamento do organismo.


A comissão da revista The Lancet Diabetes & Endocrinology (2025) propôs uma redefinição urgente do termo, nomeadamente: “a obesidade deve ser entendida como uma doença crónica e sistémica, quando o excesso de gordura afeta diretamente os órgãos, os tecidos ou a autonomia da pessoa”. Este é um passo significativo, uma vez que, a obesidade deixa de ser apenas um fator de risco para outras doenças — como a diabetes, cancro ou distúrbios cardiovasculares — e passou a ser considerada, em grande maioria, a sua causa.


Dois estádios, duas realidades: clínica e pré-clínica


Ainda neste artigo, os especialistas referem que se devem distinguir dois estádios distintos de obesidade:

  • Obesidade clínica: quando já existem sinais claros de que o excesso de gordura está a prejudicar o funcionamento do organismo — por exemplo, dores articulares severas, dificuldades respiratórias, hipertensão, alterações metabólicas ou limitações nas tarefas do dia a dia;

  • Obesidade pré-clínica: quando há excesso de gordura corporal, mas sem manifestações visíveis de doença. Apesar de um bem-estar percecionado, existem alterações sistémicas que aumentam o risco de progressão da doença.


O mais surpreendente neste artigo, que contou com a colaboração de 58 especialistas de diferentes países, talvez tenha sido a proposta de se avaliar a obesidade pela função e não apenas pela forma. Especificamente, em vez de se considerar apenas o peso ou o IMC, é fundamental avaliar a função orgânica: o coração, os pulmões, o fígado, os rins, pâncreas e, o impacto real na funcionalidade e qualidade de vida.


Esta visão observa a dualidade entre o visível e invisível, traz clareza ao tema. É possível estar aparentemente “dentro do peso” e ter problemas de saúde relacionados com a gordura corporal — e, inversamente, é possível ter um IMC elevado sem doença ou risco elevado.


Prevenção: uma janela de oportunidade


A obesidade pré-clínica assume-se como uma oportunidade para intervir preventivamente e multidisciplinarmente. O acompanhamento por diversos profissionais ajudará não apenas na regulação do peso, mas também na melhoria da função dos diversos órgãos, reduzindo a inflamação e favorecendo o equilíbrio neuro hormonal e autonomia funcional.


Neste processo, o papel do profissional de exercício é sensibilizar e educar o aluno para a relevância que o movimento (i.e., a atividade física e o exercício físico) pode ter, seja diretamente, através dos seus benefícios protetores e promotores de saúde, seja indiretamente, facilitando a mudança comportamental e o estilo de vida saudável.


Além do peso, promovamos a saúde


Repensar a forma como olhamos para a obesidade é ter uma outra perspetiva sobre a sociedade que projetamos. Uma sociedade fisicamente ativa promove o seu capital de saúde. A obesidade tende a diminuí-lo. Como tal, olhemos para a condição pelo que ela é: uma doença que se instala na letargia da aceitação silenciosa, individual e coletiva. Valorizemos o movimento como o seu elemento disruptor, resgatando a saúde e longevidade a cada passo dado.




Bibliografia

Rubino, F., Cummings, D. E., Eckel, R. H., Cohen, R. V., Wilding, J. P. H., Brown, W. A., Stanford, F. C., Batterham, R. L., Farooqi, I. S., Farpour-Lambert, N. J., le Roux, C. W., Sattar, N., Baur, L. A., Morrison, K. M., Misra, A., Kadowaki, T., Tham, K. W., Sumithran, P., Garvey, W. T., ... Mingrone, G. (2025). The Lancet Commission on the Definition, Diagnosis, and Management of Obesity. The Lancet Diabetes & Endocrinology. Advance online publication. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(24)00316-4

Commentaires

Noté 0 étoile sur 5.
Pas encore de note

Ajouter une note
bottom of page